O Estado Laico
Reflexões do ex-sub Procurador Geral da
República, Claudio Fonteles
BRASILIA,
sábado, 5 de maio de 2012 (ZENIT.org)
- Publicamos a seguir um artigo do ex sub Procurador Geral da República,
Claudio Fonteles, enviado hoje à Agência Zenit de notícias e publicado no seu
próprio blog http://www.claudiofonteles.blogspot.com.br/
Não é de hoje, e com persistência, as grandes
empresas jornalísticas de nosso País, sempre que atingem amplo espaço público
questões pertinentes à defesa da vida, ou à reflexão sobre a família,
vociferam, dogmáticas, em defesa do que chamam: o Estado laico
Querem estabelecer que a República laica não tolera
o tratamento de assuntos religiosos, confinados, então, à consciência
individual de cada uma das pessoas, e inaceitáveis à difusão pública.
Isso nada tem a ver com República laica. Conduz-nos
a gritante erro essa imposição do pensar, “politicamente correto”, a que nos
submete o stablishment midiático.
O consagrado Professor de Direito Constitucional
José Gomes Canotilho, em sua obra Direito Constitucional – 4ª edição – a partir
do estudo dos parâmetros republicanos da Constituição portuguesa de 1911, que
encerrou o sistema monárquico, é correto no ensinar que:
“2. República laicaSe no tocante à estrutura organizatória da República a Constituição de 1911 não fez senão recolher as idéias do liberalismo radical (e nem todas), quanto a outros domínios tentou plasmar positivamente, em alguns artigos, o seu programa político. Um dos pontos desse programa era a defesa de república laica e democrática. O laicismo, produto ainda de uma visão individualista e racionalista, desdobrava-se em vários postulados republicanos: separação do Estado e da Igreja, igualdade de cultos, liberdade de culto, laicização do ensino, manutenção da legislação referente à extinção das ordens religiosas (cfr. art. 3º, nºs 4 a 12). O programa republicano era um programa racional e progressista: no fundo, tratava-se de consagrar constitucionalmente uma espécie de “pluralismo denominacional”, ou seja, a presença na comunidade, com iguais direitos formais de um número indefinido de colectividades religiosas, não estando nenhuma delas tituladas para desfrutar de um apoio estadual positivo.” (obra citada – pg. 247/8, grifei).
“2. República laicaSe no tocante à estrutura organizatória da República a Constituição de 1911 não fez senão recolher as idéias do liberalismo radical (e nem todas), quanto a outros domínios tentou plasmar positivamente, em alguns artigos, o seu programa político. Um dos pontos desse programa era a defesa de república laica e democrática. O laicismo, produto ainda de uma visão individualista e racionalista, desdobrava-se em vários postulados republicanos: separação do Estado e da Igreja, igualdade de cultos, liberdade de culto, laicização do ensino, manutenção da legislação referente à extinção das ordens religiosas (cfr. art. 3º, nºs 4 a 12). O programa republicano era um programa racional e progressista: no fundo, tratava-se de consagrar constitucionalmente uma espécie de “pluralismo denominacional”, ou seja, a presença na comunidade, com iguais direitos formais de um número indefinido de colectividades religiosas, não estando nenhuma delas tituladas para desfrutar de um apoio estadual positivo.” (obra citada – pg. 247/8, grifei).
Portanto, Estado laico não é Estado ateu. Não é
Estado que proíba sejam abordados temas religiosos no cotidiano das pessoas que
nele vivem.
O Estado laico, justo porque democrático e plural, é
o que garante a convivência pacífica e respeitosa dos que professam os mais
variados credos, inclusive os que credo não tem.
O Estado
laico, insisto, respeita as convicções religiosas e sua livre expressão.
O mesmo emérito Professor José Gomes Canotilho, já
agora analisando o tema à luz dos preceitos da Constituição portuguesa de 1976,
demonstra como o texto moderno enfatiza a ampla liberdade de manifestação
religiosa. De se ler:
“2.2.
A deslocação constitucional da “República laica”
1. A “laicidade da República”, a “República laica”, é também uma das noções ligadas à tradição republicana. Para além dos “momentos emocionais” que o laicismo republicano transporta, pode dizer-se que ele assenta principalmente em três princípios:secularização do poder político,neutralidade do Estado perante as Igrejas, liberdade de consciência, religião e culto. Todavia, a Constituição de 1976, embora herdando alguns dos princípios republicanos de 1910 (cfr. supra, Parte II, Cap. 3, E, I), não adjectivou a República Portuguesa como “República laica” e deslocou os problemas fundamentais do “laicismo” para o âmbito dos direitos fundamentais. Para além de evitar a reposição da “questão do clericalismo”, a Constituição considerou que, verdadeiramente, o que estava em causa eram problemas relativos a direitos, liberdades e garantias: liberdade de consciência, de religião e de culto, proibição de discriminação por motivos de convicções ou práticas religiosas, liberdade de organização e existência das igrejas e comunidades religiosas, liberdade de ensino da religião e o princípio da igualdade perante o Estado de todas as religiões (cfr. art. 41º).” (obra citada – pg. 410/411, grifei) Nossa Constituição partilha dessa mesma diretriz, visto que, expressamente, no inciso VI, do artigo 5º, afirma que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”
1. A “laicidade da República”, a “República laica”, é também uma das noções ligadas à tradição republicana. Para além dos “momentos emocionais” que o laicismo republicano transporta, pode dizer-se que ele assenta principalmente em três princípios:secularização do poder político,neutralidade do Estado perante as Igrejas, liberdade de consciência, religião e culto. Todavia, a Constituição de 1976, embora herdando alguns dos princípios republicanos de 1910 (cfr. supra, Parte II, Cap. 3, E, I), não adjectivou a República Portuguesa como “República laica” e deslocou os problemas fundamentais do “laicismo” para o âmbito dos direitos fundamentais. Para além de evitar a reposição da “questão do clericalismo”, a Constituição considerou que, verdadeiramente, o que estava em causa eram problemas relativos a direitos, liberdades e garantias: liberdade de consciência, de religião e de culto, proibição de discriminação por motivos de convicções ou práticas religiosas, liberdade de organização e existência das igrejas e comunidades religiosas, liberdade de ensino da religião e o princípio da igualdade perante o Estado de todas as religiões (cfr. art. 41º).” (obra citada – pg. 410/411, grifei) Nossa Constituição partilha dessa mesma diretriz, visto que, expressamente, no inciso VI, do artigo 5º, afirma que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”
O inciso VII também assegura “a prestação de
assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva”,
e o inciso VIII não permite, seja privada, qualquer pessoa, de direitos “por
motivo de crença religiosa”.
Todo esse quadro normativo – é óbvio – não
enclausura religiosos, e não religiosos, no espaço único de sua privacidade.
Religiosos, e não religiosos, com as respectivas
crenças, ou sem qualquer crença, têm o amplo direito de expor essas suas
variadas concepções de viver na cotidiana formação da democrática sociedade.
Democrática porque acolhe, incentiva e resguarda a pluralidade dos
posicionamentos, e democrática, também, porque compreende ser infindável a
interação humana, enquanto vida houver.
Eis
preciosos ensinamentos do padre Mario de França Miranda, como expostos no seu
livro: “Igreja e Sociedade”:“Hoje já se reconhece que as religiões têm algo a
oferecer à sociedade civil. São elas que denunciam a marginalização a
que são condenados os mais pobres, bem como as injustiças de políticas
econômicas. São elas que oferecem uma esperança que sustenta e mobiliza
os mais fracos. São elas que, livres de um dogmatismo doutrinário e
impositivo, oferecem motivações e intuições substantivas ( e não
apenas funcionais ) para as questões sujeitas ao debate público. São elas que,
numa sociedade neoliberal e prisioneira de um racionalidade funcional em busca
de resultados. Desmascaram a frieza burocrática e tecnocrática apontando
os efeitos devastadores de certas decisões. São elas que, para além das
macrossoluções milagrosas, apontam para a responsabilidade de cada um e
para a imprescindível rejeição de um individualismo cômodo,sem as quais
a ética na vida pública ou o problema ecológico não serão solucionados. Aqui
a sabedoria religiosa talvez possa ser mais eficaz do que muitos discursos dos
tecnocratas.”( pg. 139-40, grifos do autor e meu ).
E, em síntese, correta, prossegue Mario de França
Miranda:“Porque a sociedade civil pode se tornar presa de ideologias
totalitárias, prisioneira da lógica de resultados, ou do sistema econômico
dominante, ela necessita de uma instância que a transcenda e a questione,
que a desestabilize beneficamente e que a faça progredir.”( pg. 141, grifos
do autor e meu ).
Assuntos de tamanha relevância pedem tratamento
cuidadoso e responsável, pena comprometer-se a importante missão não só de
informar, mas de formar a opinião pública.
Claudio
Fonteles
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