Cresce
indignação dos médicos sobre o posicionamento do Conselho Federal de Medicina
Entrevista com a médica Maria Emília,
coloproctologista e membro da comissão de bioética da CNBB
Por Thácio Lincon Soares de Siqueira
BRASíLIA, 25 de Março de 2013 (Zenit.org) - A cada dia
cresce a indignação dos médicos brasileiros sobre o posicionamento do Conselho
Federal de Medicina (CFM) do Brasil, do dia 21 de março, a favor da “autonomia
da mulher” em caso de “interrupção da gestação”, ou seja, do aborto.
A médica Maria Emília de Oliveira Schpallir Silva, graduada pela PUC de
Campinas, Coloproctologista com título de especialista pela sociedade
brasileira de coloproctologia e membro da comissão de bioética da CNBB,
concedeu uma entrevista a ZENIT expressando a sua indignação desse
posicionamento que tem a clara intenção de "fortalecer os que são
favoráveis à reforma do código penal no que diz respeito ao aborto".
Leia a entrevista completa:
ZENIT: O Conselho Federal de Medicina (CFM) se posicionou a favor do
aborto na quinta-feira da semana passada? A intenção é enviar para o Senado
esse parecer e dar assim um maior peso para a reforma do código penal que
pretende descriminalizar o aborto?
Maria Emília: Não obstante o texto frise “que não se decidiu serem os
Conselhos de Medicina favoráveis ao aborto, mas, sim, à autonomia da mulher e
do médico” essa afirmação é apenas um jogo de palavras e esconde a
verdadeira intenção. São favoráveis à autonomia da mulher e do médico a
praticar o aborto, portanto estão, sim, sendo favoráveis ao aborto.
A intenção é clara: o parecer do CFM vai fortalecer os que são
favoráveis à reforma do código penal no que diz respeito ao aborto,
principalmente porque vai exercer grande influência sobre a opinião pública.
Infelizmente, aqueles que juraram defender a vida e a postura ética, são
os que usam do poder de seu título para confundir a opinião pública e legitimar
o assassinato deliberado,de seres humanos vulneráveis apoiando-se em argumentos
pseudoéticos.
Não é a primeira vez na história que atrocidades são cometidas com o
aval da ciência. O nazismo foi legitimado pela eugenia, considerada ciência na
época. Depois chegou-se à conclusão de que se tratava de uma pseudociência em
nome da qual se praticou toda sorte de arbitrariedades que feriam profundamente
a dignidade humana.
ZENIT: Realmente o CFM está representando o parecer de TODOS os 27
conselhos regionais e dos 400 mil médicos do país? Então, os médicos do Brasil
são abortistas?
Maria Emília: O CFM representa a classe médica porquanto foi por ela
eleita, porém, da mesma forma que governantes eleitos pelo povo possam propor
leis que não representem a vontade da maioria, como seria, por exemplo, a lei
de descriminalização do aborto, também nem todas as decisões tomadas pelo
conselho representam o que pensa a maioria dos médicos. Esta decisão não partiu
de um plebiscito. Não creio que a maioria dos médicos seja abortista, pois a
vocação do médico é salvar vidas e não tirá-las. O preâmbulo do Código de Ética
Médica, no seu artigo II diz explicitamente que “O alvo de toda a atenção do
médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo
de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.”
ZENIT: Por que aprovar o aborto até a 12a. semana? Quais os argumentos
usados pelo CFM?
Maria Emília: O primeiro argumento usado pelo CFM é a autonomia da
mulher e do médico. Invoca a bioética principialista para defender éticamente
sua decisão, porém de forma totalmente equivocada e anti ética pois não leva em
consideração na reflexão bioética a criança em gestação. A bioética
principialista é regida pelos princípios da autonomia, não maleficência,
beneficência e justiça.
A objeção a essa postura do CFM é de caráter antropológico: o embrião e
feto são seres humanos que merecem igual proteção e estão sendo discriminados.
O princípio da justiça é singularmente ferido, pois é justo que o vulnerável
seja sempre prejudicado por aquele que detém mais poder ou que é mais útil para
uma sociedade onde só as leis de mercado importam? Isto configura uma bioética
utilitarista e não principialista.
O conselho também alega que há um alto índice de ocupação de leitos
públicos por curetagens pós-abortamento sobrecarregando o SUS, porém a
descriminalização vai aumentar ainda mais este número uma vez que a prática do
aborto vai ser realizada com dinheiro público e pelo SUS ocupando lugar de
pessoas verdadeiramente doentes que necessitam do serviço já tão
sobrecarregado.
Outra alegação do conselho é que “levou-se em consideração as
estatísticas de morbidade e mortalidade da mulher em decorrência de práticas
inseguras na interrupção da gestação... ainda maiores devido à dificuldade
de acesso à assistência adequada”.
Porém é importante salientar que a mulher que procura o aborto tem a
opção de não fazê-lo. É um risco evitável. O feto não tem opção nenhuma. Um
crime deve ser cometido em segurança?Estamos comparando dois valores de pesos
diferentes: vida versus interesses. No caso da mulher o que conta são
interesses, mas o feto perde sempre a vida. Descriminalizar o aborto alegando
sua alta incidência deve, por coerência, levar a propor a descriminalização de
outros delitos tão ou mais freqüentes.
Alegar que a pobreza justifica o aborto é uma eugenia social para com o
pobre. A pobreza tem que ser encarada com seriedade através de políticas
públicas efetivas, mas isto, embora seja ético e eficaz, demanda um custo
financeiro alto. O aborto é a solução barata: para o pobre a solução proposta é
sempre a morte.
ZENIT: E agora? O que é que resta para aqueles médicos do Brasil que não
estão nenhum pouco de acordo com esse parecer do CFM?
Maria Emília: O último parágrafo do posicionamento do CFM mostra toda a
incongruência do texto: “Finalmente, na esfera jurídica, entende-se que a
proposta de alteração do Código Penal estabelecida no PLS 236/2012 - NÃO IRÁ
DESCRIMINALIZAR O ABORTO. A conclusão dos Conselhos de Medicina é de que
com a aprovação desse projeto o crime de aborto continuará a existir,
apenas serão criadas outras causas excludentes de ilicitude. Ou seja, somente
nas situações previstas no projeto em tramitação no Congresso que a interrupção
da gestação não configurará crime.”
Note-se a incoerência: o Conselho admite que é crime e se o faz é porque
admite que o ser em gestação é uma vida humana que merece ser protegida, caso
contrário não haveria crime. Ainda assim, fere o código de ética propondo ao
médico que desrespeite essa vida, que admitiu ser humana, e nega estar propondo
a descriminalização.
Porém, há no código de ética médica um artigo sobre a objeção de
consciência, em que o médico não pode ser obrigado a realizar procedimentos que
sejam contrários à sua convicção pessoal.
ZENIT: O juramento de Hipócrates, que o médico faz na sua formatura,
ainda é válido, ou isso de defender a vida é algo que vai com a moda do
momento?
Maria Emília: Embora o contexto sócio-cultural seja o da quebra de
paradigmas com o conseqüente relativismo ético e moral em uma sociedade
utilitarista, individualista e hedonista, acredito que haja valores que sejam
supra-culturais e derivem da razão humana que sabe diferenciar beneficência de
maleficência e tem consciência do que seja justiça. Embora muitos vejam no
juramento de Hipócrates um certo grau de paternalismo, acredito que ele reflita
o verdadeiro ethos daqueles que tem vocação para a medicina.
FONTE: ZENIT
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