Católicos, que sejam 20%
Análise das conclusões do IBGE sobre a diminuição
de católicos
Por Luiz
Eduardo Cantarelli
BELO HORIZONTE, sexta-feira, 27 de julho de
2012 (ZENIT.org) - Nem todos futuros são para desejar, porque há muitos futuros
para se temer. (Pe Antônio Vieira).
Em
1970, os católicos eram 90% dos brasileiros. Hoje, segundo o IBGE, são 64,6%,
ou seja, 26%, uma massa de 37 milhões – uma Argentina de gente –, deixou de ser
católica. Ao seu estilo, Nelson Rodrigues preconizava na década de 70 que o
Brasil seria, no futuro, o maior país de ex-católicos do mundo.
Para
onde partem os católicos? Na sua grande maioria, seguem para as, assim
chamadas, religiões evangélicas, principalmente para as de cunho pentecostal e
autônomas. No último censo, os protestantes subiram de 15% para 22,2%, dentre
estes, estão os tradicionais que ficaram patinando nos 4%.
O
espiritismo, que na década de 50 pensou-se que seria a religião do Brasil,
estacou em 2%. Os “sem religião” margeiam os 8%, sendo que os 3% restantes
estão espalhados nas diversas outras propostas religiosas. Então, basicamente,
o funil de saída é para o protestantismo e, daí, parte deles migra para os “sem
religião” – o que não quer dizer que se tornam ateus.
Quando estancará o vertedouro de escoamento é uma incógnita, pois vários são os fatores, objetivos e subjetivos interferentes nesse processo, alguns destes relevantes que ouso explicar o movimento.
Quando estancará o vertedouro de escoamento é uma incógnita, pois vários são os fatores, objetivos e subjetivos interferentes nesse processo, alguns destes relevantes que ouso explicar o movimento.
O
primeiro: o “espírito do tempo” que estamos vivenciando, um mundo plural, em
que a morte do passado nos revela que tradição não dá mais liga e o individualismo
é o senhor da razão. Nesta nova visão de mundo, tem muito pouco valor aquilo em
que os antepassados creram e viveram. A experimentação do novo e a curiosidade
do desconhecido soam forte em cada um.
Segundo
Dr. Flávio Pierucchi, da USP: “Uma sociedade que não precisa mais de Deus para
se legitimar, se manter coesa, se governar e dar sentido à vida social, mas
que, no âmbito dos indivíduos, consome e paga bem pelos serviços prestados em
nome dEle”.
A
humanidade já viveu uma experiência parecida em meados do século XIX, com a
crise Católica da negação do modernismo, acrescida do movimento milenarista e
do sucesso da ciência insipiente, que tudo parecia provar e demonstrar. Naquela
trajetória, nasceram o Positivismo, o Espiritismo, o Adventismo, os Mórmons, as
Testemunhas de Jeová, a Teosofia, o Exército da Salvação e tantas outras
religiões. Eram propostas notadamente anticatólicas, porém, inovadoras e muitas
dessas permaneceram no tempo.
Paradoxalmente,
podemos considerar o movimento religioso evangélico atual fugaz e consonante
com a onda consumista. É fragmentado em milhares de denominações que seguem o
discurso do pastor fundador e, na maioria das vezes, com uma adaptação racional
e funcional do evangelho às necessidades pessoais – uma forma híbrida de
autoajuda.
O
segundo: foi no Brasil que ocorreu em menor espaço de tempo o êxodo rural – o
deslocamento de grandes massas de gente do campo para as cidades. Foram 35
milhões de migrantes que incharam as grandes cidades, principalmente nas
periferias. Note-se que foi aí que se deu o maior número de conversões.
(Antoniazzi). Assim, no impacto da perda de espaços e de valores que norteavam
a família, estes se diluíram, influenciando e transformando as gerações que se
seguiram. Nesse cenário decomposto, muitas vezes a escolha da religião é
motivada pela ocasião.
O
terceiro: a quantidade de propostas e igrejas que concorrem no mercado
religioso. O espaço sagrado da Igreja, como o católico o qualifica, altera-se
no protestantismo – ali, o sagrado é o coração do homem. O espaço físico pode
ser oriundo de um açougue, uma funerária ou outro prédio qualquer.
Nessa
facilidade de produzir igrejas e congregações, as ofertas são muitíssimas.
Associado aos milhares de pequenos movimentos, há a força das “amplas vitrines”,
que são as grandes igrejas evangélicas mediáticas, nas quais a maximização dos
lucros é a “teologia sonhada”. Fazem uso dos mecanismos de mercado como
franquias, cartões de crédito, bancos, etc. Dezenas de milhões de reais são
investidos, por mês, na TV, que é concessão do Estado, para apresentar-se em
horário nobre, com “milagres” de hora marcada e ao vivo.
De
modo descarado, ainda segundo Pierucchi, “o discurso proferido dos fieis para
com Deus, que sustentou a civilização judaico-cristã e islâmica desde as
origens, agora tem sua direção invertida pela nova cristandade que proclama que
Deus é fiel, o fiel é Deus. Investimento seguro, vale dizer”.
O
quarto: e o mais relevante, a falta de testemunho, pelos católicos, é o
principal motivo alegado para a saída de muitos. Talvez o homem contemporâneo
necessite mais do que pregação. Ele precisa de testemunhos reais e tangíveis.
A
Igreja Católica é similar a uma arca. Com suas múltiplas espiritualidades, tem
lugar para a heterogeneidade, embora também carregue uma contradição interna na
qual não mais que 30% dos que se dizem católicos são habituais frequentadores
da igreja. Os outros 70% orbitam em torno dela nas necessidades sociais e nos
ritos de passagem como: batismo, casamento e velórios. Estes são os católicos
nominais que estão incluídos nos citados 64% do IBGE, alguns deles com aversão
à religião, mas, por uma tênue teia do passado, se mantêm ligados à Igreja.
Outros frequentam novas propostas religiosas/filosóficas que ainda não constam
no questionário do Censo e há uma grande parcela de católicos que está
aguardando um “insight” com a Transcendência. Muitas vezes a Igreja não sabe
lidar com essa realidade. São os que se dizem “católicos não praticantes”.
Estes formam o estoque dos futuros ex-católicos. Como dizia D. Eugênio Sales:
“O problema da Igreja não são os evangélicos, mas sim os falsos católicos”.
Embora os processos históricos muitas vezes tornem-se arrebatadores e incontornáveis, na visão da hierarquia, a Igreja Católica no Brasil tem se preocupado com o êxodo dos seus fieis. Aperfeiçoa a formação dos sacerdotes, enriquece e alegra os ritos, prioriza a caridade, e o que não se pode providenciar humanamente, a Providência Divina assume. Não obstante, essas atitudes não são suficientes para conter o êxodo católico. O “estrago” será tão grande nas hostes católicas que só no distante futuro poder-se-á avaliá-lo - como aconteceu na percepção histórica da reforma luterana, no século XVI.
Embora os processos históricos muitas vezes tornem-se arrebatadores e incontornáveis, na visão da hierarquia, a Igreja Católica no Brasil tem se preocupado com o êxodo dos seus fieis. Aperfeiçoa a formação dos sacerdotes, enriquece e alegra os ritos, prioriza a caridade, e o que não se pode providenciar humanamente, a Providência Divina assume. Não obstante, essas atitudes não são suficientes para conter o êxodo católico. O “estrago” será tão grande nas hostes católicas que só no distante futuro poder-se-á avaliá-lo - como aconteceu na percepção histórica da reforma luterana, no século XVI.
O
monopólio católico de 500 anos está se desmilinguindo e sendo criada, a partir
daí, uma nova força política religiosa contrária às tradições católicas.
Resultado desse processo, que não é mais embrionário, pode ser observado nas
Minas Gerais, de tradição católica. A principal avenida de entrada de Belo
Horizonte, Nossa Senhora do Carmo, passou a se chamar Senhora do Carmo. De
notar, também, que a Igreja Assembleia de Deus projeta eleger, este ano, 5.600
vereadores em todo o país, além de investir pesadamente em compra de redes de
Rádio e TV (Folha de São Paulo, 22/7). Interessante observar que nessa Igreja,
até a década de 90, ver televisão e ouvir rádio era considerado pecado. Mudaram
a doutrina para não perder o “boom” do crescimento. Quem viver, verá!
Mortos,
levantai-vos!, preconizava Dom Sebastião Leme em Olinda no início do século XX
quando da parcimônia dos católicos frente ao seu isolamento na República
nascente. Hoje, poderíamos repetir o discurso. Levantai-vos para conhecer a
Igreja; para integrar-se na comunhão dos santos, de que a Igreja é portadora;
não vos constrangeis frente a essa tempestade de ofertas de discursos
religiosos eloquentes.
Somos
testemunhas de milhares de servidores consagrados, bispos, padres, freiras,
leigos que se desgastam em vida, como vela no altar, em prol do outro e da
Igreja. Se faltam pastores ou estão assoberbados de trabalho, atendamos o apelo
bíblico; “sede-vos mesmos”, líderes para evangelizar. Se somos filhos de uma
Igreja que é a genitora de todas as outras, porque estaríamos equivocados? Por
acaso, colhe-se maçãs de laranjeiras?
No
livro “Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental” central de
qualquer civilização. Ao longo de dois mil anos, a maneira de o homem ocidental
pensar sobre Deus deve-se sem a menor dúvida à Igreja Católica.
Quando
perguntaram a G.K Chesterton, escritor inglês, ex-anglicano, porque é que
entrou para a Igreja Romana, ele respondeu: Para me libertar dos meus pecados,
porque não há outro sistema religioso que ensina as pessoas (se o professam
realmente) a libertarem-se dos seus pecados. (Autobiografia, p.280).
O
testemunho de Marco Monteiro Grillo, ex-luterano e agora católico convicto: Se
uma igreja que remonta a Cristo e aos apóstolos, em que o subjetivismo
simplesmente não existe, e onde uma autoridade visível (o magistério) sempre
foi e será responsável pela salvaguarda da fé, essa Igreja só pode ser a Igreja
Católica Apostólica Romana, essa Igreja que não está sujeita às intempéries da
história, nem aos modismos de cada época, nem aos gostos dos fregueses.
Se no futuro os católicos, mesmo sendo 20% da população, forem comprometidos com Cristo e a Igreja dEle, éticos na vida social e em todos os demais sentidos, a Igreja, que são todos, já terá cumprido a sua missão. Os exemplos atraem.
Se no futuro os católicos, mesmo sendo 20% da população, forem comprometidos com Cristo e a Igreja dEle, éticos na vida social e em todos os demais sentidos, a Igreja, que são todos, já terá cumprido a sua missão. Os exemplos atraem.
Luiz
Eduardo Cantarelli é jornalista – pós-graduado em Ciência da Religião.
Belo Horizonte – Minas Gerais