Os crucifixos nos órgãos públicos
Por Edson
Sampel
SÃO PAULO,
terça-feira, 25 de setembro de 2012 (ZENIT.org) - O Estado brasileiro é deveras
laico, haja vista os preceitos constitucionais que salvaguardam a liberdade de
exercício de qualquer religião (Art. 5.º, VI) e que interditam ao poder público
criar cultos religiosos e igrejas ou, ainda, patrocinar essas entidades (Art.
19, I).
Reza o
preâmbulo da constituição federal: “Nós, representantes do povo brasileiro,
reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado
democrático (...) promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição
da República Federativa do Brasil” (grifos meus). Em face deste preâmbulo,
formalmente constitucional e jurídico, uma vez que é parte integrante da
constituição federal, não há que se falar em Estado ateu ou propugnador do
laicismo absoluto, mesmo porque a própria Lex legum determina a obrigatoriedade
do ensino religioso nas escolas públicas, com frequência facultativa (Art. 210,
§ 1.º).
A mais
relevante consequência jurídico-moral da inserção do nome de Deus na
constituição é a seguinte: se o poder constituinte originário desenvolveu todas
as atividades tendentes à elaboração da charta magna sob a proteção de Deus,
logo, o poder constituinte derivado deve agir igualmente sob a proteção de
Deus, ao menos em termos de congruência de princípios. Desta feita, um
deputado, ao preparar um anteprojeto de lei, atua, constitucionalmente falando,
sob a proteção de Deus; o mesmo fenômeno constitucional-divino-protetor,
digamos assim, ocorre com um prefeito que expede um decreto ou com um juiz que
prolata uma sentença.
O crucifixo,
particípio passado irregular de crucificar (a forma regular é “crucificado”),
num primeiro súbito de vista, representa, sem dúvida, a religião cristã,
principalmente o catolicismo. A fim de afixar um crucifixo na parede de uma
repartição pública, não é juridicamente válido o argumento de que a maioria dos
brasileiros são católicos e de que a esmagadora maioria são cristãos, porquanto
o Brasil é um Estado laico, ou seja, não tem religião oficial, diferentemente
do que sói ocorrer, por exemplo, na Inglaterra, onde o anglicanismo é a
religião oficial, ou na Alemanha, onde o luteranismo é o credo constitucional,
ou em Israel, onde o judaísmo é a religião do Estado. Sem embargo, consoante
observamos acima, o poder constituinte derivado é exercido também sob a
proteção de Deus.
Note-se que a constituição ab-rogada de 1967
pressupunha a “invocação” de Deus. Os constituintes da carta política de 1988,
ora em vigor, foram mais longe e deram por certa a presença efetiva do
Altíssimo, que os protegeu ao longo dos trabalhos de feitura da lei maior do
país. A aludida proteção é de ordem metafísica ou sobrenatural, porém, pode ser
simbolizada pelo crucifixo, um elemento cultural da tradição brasileira, que
anela exprimir a presença divina em determinado ambiente, tirante qualquer corrente
religiosa específica.
O crucifixo num lugar público, como aquele instalado no plenário do Supremo Tribunal Federal, não corresponde apenas pura e simplesmente a uma imagem do cristianismo, mas quer demonstrar, segundo o modo peculiar da cultura de nosso país, em coerência com a ideia dos constituintes (mens legislatoris), que Deus protege os membros daquele celso sodalício no mister típico deles, isto é, nos julgamentos. Com efeito, o crucifixo ganha foros suprarreligiosos ou supraconfessionais; é empregado tão somente em virtude de ser o meio mais corriqueiro e hábil, nos meandros da tradição brasileira, para realçar a proteção divina. Pergunto: qual seria, entre nós, um outro símbolo apto a materializar o preâmbulo da constituição da república?
O crucifixo num lugar público, como aquele instalado no plenário do Supremo Tribunal Federal, não corresponde apenas pura e simplesmente a uma imagem do cristianismo, mas quer demonstrar, segundo o modo peculiar da cultura de nosso país, em coerência com a ideia dos constituintes (mens legislatoris), que Deus protege os membros daquele celso sodalício no mister típico deles, isto é, nos julgamentos. Com efeito, o crucifixo ganha foros suprarreligiosos ou supraconfessionais; é empregado tão somente em virtude de ser o meio mais corriqueiro e hábil, nos meandros da tradição brasileira, para realçar a proteção divina. Pergunto: qual seria, entre nós, um outro símbolo apto a materializar o preâmbulo da constituição da república?
Nada
democráticos, em minha opinião, os comportamentos de certos agentes políticos,
como os do poder judiciário do Rio Grande do Sul, ordenando a retirada dos
crucifixos dos organismos judiciais daquele estado. Repito: os crucifixos nas
paredes de repartições públicas são, antes de tudo, na nossa cultura, o sinal
mais compreensível e evidente da proteção de Deus, sob a qual obrou o poder
constituinte originário e há de ser dia a dia exercitado o poder constituinte
derivado.
Edson Luiz
Sampel é Doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Lateranense,
do Vaticano. Professor do Instituto Teológico Pio XI (Unisal) e da Escola
Dominicana de Teologia (EDT). Membro da Sociedade Brasileira de Canonistas
(SBC).
FONTE: ZENIT